Azul sem nome


longo destino sob a noite nas pedras de ninguém
quando o rio destoa das vertentes do céu
profundo sob o peso rasgado da chuva

mesmo a certeza desaba além dos homens

longa e lenta a história inscrita nessas mãos
mais vivas do que a luz no impulso do fim
mais ocas do que as trevas à procura do azul

Lilia

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

noite poema


hostil o sonho reverbera nos sentidos

às cegas

- são as mãos sem uma estrela

nos olhos

o tempo sem destino

- esta palavra...


Lilia

sumo

toca-se o fruto da palavra
a polpa ardente

movem-se as pétalas que antes existiram

rumores de sabor escorrem na tua boca

sente-se o novo som na sinfonia

- o sumo do poema

terça-feira, 19 de outubro de 2010

tradução

traduzo a chuva pelas pálpebras do dia
para não dizer a desistência do amanhã

releio as vozes de ontem rasgo momentos
choro em remoinho verdades esquecidas

descabelam-se os fios dos meus anos
no verso de prata madrugados
quando as luzes adormecem ante a aurora

que parte do meu texto é descabida - vida minha
de olhos desatentos - que agora? que depois?
Lilia

terça-feira, 12 de outubro de 2010

a cor da aurora

era para ser de mim inteira
a fagulha extrema
e toda a via futura no início de nada

foi apenas a límpida escolha
recém-nascida transparência do amor

de longe ao sul eram todos os sonhos

agora uma face de pedra
esconde a cor da aurora
que não sei voltará a surgir

Lilia

sigilo

o que jamais aconteceu novamente
e nunca deslembramos
pequenos toques a mar em sóis e
luas derretendo
correntes entre as estrelas
nenhuma noite nas frases
outrora descobertas

era agora o corpo a corpo
solene das palavras
e amanhã eram as outras vidas
que sempre vivi
findo o simples sigilo de ser

Lilia

alumbre

perdi o pergaminho do tempo
aquele entre páginas de memória
acastelando os passos da casa
perdi o texto das horas nos meses recônditos de ante-agosto
sem traços de espera ou semi-sonhos nem antes nem depois

existo na timidez de novas normas nas dobras de discursos
e os dizeres ardem nos olhares esperanças desgostos
o corpo desiste o cansaço abandona a antiga bandeira

visto as pálpebras
e manuscrevo mentalmente os minutos virtuais
na última dormência
quando ainda existe alumbre na pele do tempo
e poetagem no laivo desta vida
Lilia

domingo, 22 de agosto de 2010

... ao tempo

jogados no tempo nossos olhos
as verdades doem mais que antes

jogado ao tempo nosso sono
a angústia acende a madrugada
nas praias de estio e de cansaço

jogadas ao tempo nossas mãos
a paz perdeu seus dedos
e o nosso vazio repleto de insossegos
machuca laços não desfeitos e nós cegos
dispersam dispersamos a ternura de uma fonte

jogados nós ao tempo
as linhas perdemos da alegria
e definham nublados os horizontes

nas horas de prece que ao tempo prevalecem
que luzes aquecem a chama ainda viva
não se esqueçam sonhos – entrevivos semprevivos –
nem memória remoída não solúvel
de tantos silêncios palavras ternuras
jogados ao tempo
ao onde e ao quando do tempo
– sólido tempo que nos beija a face ida a face nossa
de cada momento
ainda e sempre revivida
na invisível face do tempo

Lilia

domingo, 8 de agosto de 2010

ontem ainda

Le temps déborde.
Mon amour si léger prend le poids d'un supplice.
(Paul Eluard)

o sonho tem o peso de um suplício

o tempo transfigura amores
e pesa mil dores de mães e filhos únicos
de outras dolorosas mães amantes filhas filhos

o amor pesa e transborda em sua foz
ao longe não se mistura ao sal
do mar
das lágrimas
desanda pela cruz

demain encore eu desperdiço o tempo
nos papéis lençóis sem pauta em silêncio
desenho soluções nos chãos da casa
na leveza das caixas
resvalam
e deságuam nas lâmpadas apagadas

revejo sorrisos inteiros madrugadas
insone ritual sem peso ontem ainda
era o meu tempo
era o meu rosto
o meu rio as cruzes minhas
o suplício leve...


Lilia

domingo, 27 de junho de 2010

a tarde

fiquei a tarde à toa no poema a tarde definhando
as cores vivi a tarde esquecendo o tempo
a tarde é pouca e raros os amores
pensei a tarde como um corpo inteiro e estive tardemente
em toda vida cheguei depois do tempo e descobri
que não seria mais no tempo que me coube
não seria e não fui e tão suavemente que nem soube
que a passagem espreita um só momento e quando
cadente estrela desabamos já a cinza é tudo e nada
e somos o vazio o esplêndido vazio que entende a tarde

Lilia

quarta-feira, 16 de junho de 2010

silêncio

era esta solidão que consumia os olhos

sentir sem ver
cega de palavras

e quando
e só

Lilia

rosto

no meio de mim estende-se o horizonte
hesita
e explode em água e cor

duas centelhas tremeluzem ainda

é tarde

... e vivo


Lilia

terça-feira, 15 de junho de 2010

quando a voz é silêncio

o silêncio de mim
na densidade de teu corpo
tem o gosto eterno
das tormentas
- quando a voz é silêncio

silêncio meu de mãos
na correnteza feroz
com que me inventas
e me afogas - indelével -
nos olhos cerrados

(beija o meu beijo
nas faias dos meus versos)

Lilia
(parece ser dos meus poemas antigos...)

ainda e nunca

as duas mãos na chuva palavras ao vento corte do infinito
espanto
as gotas pousam no destino
revoam dores de inquietos chãos

quantas vidas brancas tornaram ao orvalho
quantos dias danças quadros cabaletas vozes caras
esboçaram os dias
as lágrimas nem as névoas rememoram

(revejo seis de sonhos confidências
nós ao todo
no laço azul éramos árias entoadas
dós amargos bravura
intermezzos)

velado nosso rumo no curso das águas
alcançamos o sereno
em tempo surreal
as bocas declinam sóis poentes
os olhos luas decrescentes
cantam
apenas as mãos
as mãos ainda chuva e vento
as mãos palavras

Lilia
11 de abril, 2010

dois Horizontes III


imóvel o ar


não se move o desejo sem o vento
- e eu perdi o vento na passagem
não se vive uma brisa sem desejo
- secou-se o beijo à sombra do meu tempo

que luz ainda força a ideia à fantasia
que ser escolhe ainda o verso imóvel
nos tropeços das lembranças na voragem
que portas de medo que segredo
o homem articula com o futuro
e quantos silêncios nos sons da sinfonia
são presságios de vigília e de relento

apenas o sonho como assim se chama
move a alma apenas esse extremo é poesia
o mais é o imóvel ar a flama ausente
a mente sem destino – amente


Lilia

dois Horizontes II

foi candente a órbita do azul
com sentido e medo
no quanto de momentos fiz para uma vida
e a cor
no alento de vertigem única
deixou duas luas de luz na história do meu corpo

Lilia

dois Horizontes I

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

e.e.cummings

e chove
tua cidade esconde a serenidade de saber-te ali
ao alcance do meu grito mais suave
entre caminhos de vozes e ventos cuja cor chora
a desistência dos sonhos
e ama
tua chuva cai em meus cabelos como aquelas flores
pintadas nos jardins de Uffizi - enquanto choves
diz ao meu desejo: qual a estação do teu olhar -
ao meu recordo no ciclo entre mim e as nuvens
e lembra
aqui era o sereno feito corpo mais que sentimento
quando os grilos encantavam as águas em outro ermo
- apenas o teu nome sabe a imensa e minha loucura -
e ousa
se ousares abre mais essa janela que o caibro esconde
e voa sobre as palmas - as mãos de chuva nos meus olhos
e acalenta estas palavras como - sempre e nunca -
e esquece
Lilia

sábado, 2 de janeiro de 2010

cosedora

torna tempestade aberta na saudade
lembrança intensa à calmaria dos tempos
oferta aos dias fartos de meu nome
envia mãe o corte a ser refeito

cose o viés das alvoradas
o vestígio ressereno das preces
o pistilo prato e a desafronta
no corpo a corpo manso das idéias

faze mãe o acabamento das ausências
o retoque do vestido desmanchado de sonho
e junto a nós e mãos e agulhas brandas
remata este sorriso maltalhado pela vida

Lilia

um ensaio de primavera

Para Gilda
um ensaio de primavera
na união esparsa de nossas vontades
ante a noite
aberta em estranhas novas almas
- é a vida entremeada pelas velas
em trânsito no rio iluminado
sombras liam o sopro
de nossas cinzas
ao brasido e leve olhar de anseios novos
Lilia

aurora


Se a luz da tarde é aurora da ideia
abraço resoluta à margem da noite
o arroio fluido do verso
no tremor da tua lembrança a flama em liberdade
de eros reanima os últimos cantos
(ou a fuga desse tema no crepúsculo
na tardia aurora do poema)

Lilia
13/07/2008

baixamar

.

A calma intrépida cintila correntezas
em baixamar
neste corpo de
rio indócil espalmei meandros
distingui venturas incertezas
- lenta voga ao longe a igara

em gesto de poema

Lilia
17/07/2008

longa miséria sob a noite nas pedras de ninguém
quando o rio destoa das vertentes do céu
profundo sob o peso rasgado da chuva

mesmo a certeza desaba além dos homens

longa e lenta a miséria inscrita nessas mãos
mais vivas do que a luz no impulso do fim
mais ocas do que as trevas à procura do azul

Lilia Escrito por eu às 23h38