Azul sem nome


longo destino sob a noite nas pedras de ninguém
quando o rio destoa das vertentes do céu
profundo sob o peso rasgado da chuva

mesmo a certeza desaba além dos homens

longa e lenta a história inscrita nessas mãos
mais vivas do que a luz no impulso do fim
mais ocas do que as trevas à procura do azul

Lilia

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

tempo guardado

J'éprouvais un sentiment de fatigue et d'effroi à sentir que tout ce temps si long non seulement avait, sans une interruption, été vécu, pensé, sécrété par moi, qu'il était ma vie, qu'il était moi-même.


Marcel Proust


Cette fatigue, eu a sinto ultimamente, luto com o tempo lutando comigo mesma. E me sinto terrivelmente inútil. Inútil como os objetos que guardei todos esses anos, dentro de caixas, enfurnados nos armários, entulhando prateleiras, ocupando espaços que fazem falta para guardar outras coisas inúteis. Uma fadiga igual eu sinto em relação às pessoas que guardei em mim, as pessoas que dentro de mim transfiguram-se em sentimentos todos de ternura. As coisas amarelam, perdem seu brilho, e eu as olho perguntando o que elas significavam para mim no momento em que as quis preservar do tempo e que, ao contrário, expus a ele, escondendo-as, deixando-as esperar por outros olhares. Eu poderia dizer que as coisas guardadas tão afetuosamente por mim absorveram os encantos do passado, sugaram-nos. São roupinhas que minha filha usou em bebê, e depois meus netos ainda puderam vesti-las uma ou duas vezes para minha (e só minha) satisfação. São brinquedos que queria preservar para alegria de outras gerações. São papéis que me trouxeram prazer ao colecionar, cartas, fotos, recortes, cromos, desenhos, rabiscos até. Mas ao encontrá-los, hoje, me trouxeram um impressão de inutilidade tão intensa que me impregnaram dessa qualidade: inútil sou eu, guardada no tempo por mim mesma, junto com todos esses detalhes de meus gestos e de meus momentos, que ficaram perdidos nos vãos dos armários sem que eu sentisse falta deles, que em nada mudariam minha vida se não existissem mais, que eu posso jogar fora hoje, sem me comover... Um dia eu vou ser jogada fora pelo própria tempo e hoje eu me assombrei com a minha impressionante inutilidade...