Azul sem nome


longo destino sob a noite nas pedras de ninguém
quando o rio destoa das vertentes do céu
profundo sob o peso rasgado da chuva

mesmo a certeza desaba além dos homens

longa e lenta a história inscrita nessas mãos
mais vivas do que a luz no impulso do fim
mais ocas do que as trevas à procura do azul

Lilia

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

afago


quanto amor existe no afago da frase
a ti leitor ao teu olhar no tato da palavra
de que cuidado ressoam os desejos
da escrita em teus desejos inventados
e que desvelos ao sopro do texto
apagam as sombras remotas dos sentidos
desenhadas desejadas pelos dedos
ao digitarem ágeis nas vertentes líquidas
versos verbos e corpos ardentes de leitura


Lilia


Deserto

A vida é um deserto... a poesia, areia.
Meu ânimo desabou pelas dunas -
histórias de todos, minha história em ondas.
a que grãos será que o sonho se destina?

tateio d'almas

As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

não há verdade nos mistérios dos corpos
não há sendas nas palavras rumo aos corpos
cravados
sem o entendimento das almas

inventa-se então a mensagem do silêncio
inverte-se a compreensão das letras
toques em almas de texto cravejadas
pele inscrita no corpo intátil
pétalas extasiadas de palavras

errante o poeta consome a distância
entre sopros de verbos infinitos
quando o outono entende os corpos refletidos
nas almas tateáveis da linguagem

LSC

domingo, 31 de agosto de 2008

desmesura

em uma lua anterior ao mundo
ocultavam-se as angústias

na imperfeição do tempo
luamo-nos – semicírculos infinitos –
na partitura das paixões

ora finda-se o sol transfigurado
e morrem pedras ao nosso silêncio

por que senso de dor cala-se o instante
desmesurado em futuro?

Lilia Silvestre Chaves

dois poemas

saudade


ainda resta um horizonte de agonia
nas memórias mortas
um limite triste do vazio
que abranda o sono do tempo

mas

assim como ao cair da noite
subsiste um gosto de orvalho
nos mármores adormecidos
sob a sombra
o límpido afago materno
sobrevive no anseio dos dias
do meu corpo aconchegado
nos seus olhos


Lilia
fábula

ah tempo tu que és tão forte...

desfaz o esquecimento que prende o coração
ao momento da agonia
acelera os dias do pranto oh tempo
rebojo de sonhos
tu que não me poupas e me revês
em redemunho
corta-me em duas me esfaz na espera
sem prumo inevitável
no acre andamento
do meu tom

tempo que me desarruma
e maltrata e acalma e aconselha
esfuma o nome testemunho de mim mesma

... derrete a neve que prende o meu pezinho...
Lilia

cedimento

a madrugada inunda a página –
cedo verdades sem palavras
ardem
ao sabor da hora
imensa

o tempo imperioso do momento
ressoa ao gesto incerto

é tua – guerreiro do azul perdido –
é tua a lembrança da noite?

LSC

manhã



sem a história da ausência
somente
sombras e sons desconhecidos
sem a história de meu nome
apenas sementes
no declive da vida

nem flores nem feras
sem a saudade táctil
da página luminosa
nem cúmplices os olhos
nem laços os versos

e a manhã única da escrita
sem a falsa espuma da memória
criaria um sempre dissonante
na vaga totalidade do tempo?


LSC

Cais do porto


longa miséria sob a noite nas pedras de ninguém
quando o rio destoa das vertentes do céu
profundo sob o peso rasgado da chuva

mesmo a certeza desaba além dos homens

longa e lenta a miséria inscrita nessas mãos
mais vivas do que a luz no impulso do fim
mais ocas do que as trevas à procura do azul

LSC

domingo, 13 de julho de 2008


Adormece a emoção e vão-se as palavras, cadernos ficam inacabados, abandonados os blogs. Fui deixando no ar páginas de mim que tento recuperar com o jogo da teia invisível. Um salto a aranha some entre vazios que invisíveis fios ainda ligam à memória.

Uns, (in)acabados:

Uma história de palavras: http://umacanoa.blog.uol.com.br/

http://www.outrademim.blogger.com.br/index.html

Outros, ilustrando tantas de mim, ainda são tecidos, entre poesia, desabafos, pesquisas acadêmicas:

Gapuiando palavras: http://palpebras.blog.uol.com.br/ (poemas meus e de outros poetas, palavras soltas)

Lendo, escrevendo e morando na rede: http://lendonarede.blog.com.br/ (impressões de Internet)

Ler e escrever na era da Internet: http://pa.lavra.blog.uol.com.br/ (blog coletivo de pesquisa)

Outros foram impossíveis de serem encontrados, desapareceram do ar por falta de escritos, esvaneceram-se, mas a cola virtual é forte e eu os trouxe para documentos secretos.


sábado, 12 de julho de 2008


Há muito muito tempo...

Ele estava sozinho olhando uma rosa,
Sentado no banco da praça.
Lá na torre da Igreja, o sino bocejava.
Era tarde e ele estava sozinho.
E era nele que pensavam as idiotas
formigas que trabalham o dia todo.
Então o sol se foi.
A lua veio, e vieram estrelas que
corriam e caíam depois.
Ele dormiu no banco e a rosa murchou de noite.
Quando o dia chegou e o sol espiou lá de longe,
Tudo ficou cor-de-rosa, mas ele não acordou.
As nuvens derreteram-se como mulher
dengosa e choraram chuva, mas ele não acordou.
E dormia com um sorriso de rosa nos lábios.

(Canadá, 3-7-67)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

o blog redescoberto

O mundo virtual só consegue me encantar.
- Eu nem lembrava mais de um caderno perdido, com duas folhas escritas, de um momento passado da vida. Um dia, ao abrir um armário qualquer, o caderno se mostra e recupero impressões de um ano atrás. -

Aquele senhor Orkut... será que realmente ele previa o emaranhado textual que se tornaria a sua idéia de reunir amigos perdidos?

Pois o Orkut esquadrinhou meus labirintos e descobriu um blog do qual eu já havia esquecido. E como é preciso esquecer para lembrar, disse o poeta, parece que será esse o blog que levarei em frente, mesmo que não vá dar nome algum ao azul do meu segredo. Com o blog vieram os dias passados no Rio, ano passado, vieram as páginas esquecidas de tantos cadernos "de contar a vida" que fui largando pelas prateleiras, inacabados, mas sempre prontos à descoberta da memória.

Chove. É tarde. Redescobri o que esperava.